Um colega que nos deixa muito cedo Suas palavras
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Se você está lendo este documento, significa que eu dei o golpe final do câncer e estou morto. Claro que não foi assim que planejei os acontecimentos, mas, nem sempre tudo acontece como queremos.
Infelizmente hoje, mesmo ainda com todos os avanços da medicina e tantos casos de cura já registrados, receber o diagnóstico de um câncer é assustador e torna a pessoa, muitas vezes, estigmatizada. Para a maioria, quem recebe o diagnóstico de portador desta doença está com “seus dias contatos” e pouco se pode fazer além de esperar pelo pior.
A notícia de um adenocarcinoma mudou em muitos, senão todos, os aspectos da minha vida. Basicamente fui forçado a seguir uma entre duas opções: assumir o estigma de um portador de câncer e ajoelhar-me perante suas conseqüências, ou lutar contra todas estas dificuldades, reformulando parâmetros, mudando atitudes e buscando vencer a doença de todas as formas possíveis. Escolhi a segunda opção, e ao final, descobri algo diferente. Consegui enxergar além das dores, dificuldades e estigmas para descobrir que o câncer pode, ao invés de ser o fim, um recomeço. O começo de uma nova vida, diferente, mas no mínimo promissora.
Era uma tarde de dezembro na cidade de Colônia, Uruguai. O sol iluminava as águas do delta do Prata dando-lhe um brilho especial, e o vento fresco que soprava educadamente fazia pequenas nuvens dançarem num céu de azul infinito. Estava sentado nas pedras gastas, na beira das águas, admirando liquens e escutando o marulhar das ondas enquanto aguardava a partida do buquebus. Em breve ele flutuaria por aquelas águas mágicas e me levaria até Buenos Aires, onde encerraria uma viagem de bicicleta que já durava alguns dias. Tudo parecia calmo, tranqüilo, perfeito..., mal sabia eu que uma tempestade formava-se no horizonte, e que dentro de poucas semanas o mundo desabaria sobre minha cabeça.
Uma nova viagem estava sendo planejada para mim, sem que eu soubesse, e em breve me forçaria a tomar caminhos nunca antes imaginados. Bem ou mal seria um recomeço, uma nova vida, e eu teria de escolher entre vencer ou perder. Escolhi, ainda que sem saber, vencer.
Uma nova viagem estava sendo planejada para mim, sem que eu soubesse, e em breve me forçaria a tomar caminhos nunca antes imaginados. Bem ou mal seria um recomeço, uma nova vida, e eu teria de escolher entre vencer ou perder. Escolhi, ainda que sem saber, vencer.
Quero deixar aqui um breve recado para meu irmão, sobrinhos, pais, tios, avó, amigos e primos: Não lamentem minha morte. Lembrem-se que morrer faz parte da vida. É a única certeza que eu sempre tive. As vezes ela chega cedo, as vezes ela chega tarde. Pra mim será fácil morrer, pra vocês vai doer. Lidem com as dores me celebrando como eu era, vejam minhas fotos, façam piadas, mas não lamentem. Ajudem a Clau, vai ser difícil no começo, eu sei disso.
Meu mais sincero perdão à minha viúva Claudiane Zolet, minha Tutiméia, minha menina. Prometi ficar com você para sempre e não cumpri, me perdoe. Em nosso casamento eu ri e chorei emocionado pois meus pais estavam vendo o acontecimento, eles viram o filho deles se casando com você, mulher linda por dentro e por fora, de coração humilde e grande, inteligente, trabalhadora, e compreensiva com minhas crises e jeito "tropeçado" de ser, Você foi a única mulher que eu realmente quis pra mim, Você foi minha companheira em absolutamente tudo e me deu os melhores anos da minha vida, me ensinou a perdoar e a pedir perdão. obrigado por tudo e, obrigado por me amar.
Lembre-se que eu sempre a respeitei, sempre a amei, mas agora, peço que recomece sua vida. Não sofra por muito tempo, tens sua vida inteira pela frente. Suba quantas montanhas você puder e conheça o mundo com seus pés livres.
Ao meu amigo Luiz Fabiano: você foi um verdadeiro irmão para mim, meu irmão de alma. Agradeço por ter desfrutado da sua amizade durante toda a minha vida.
Independente de tudo o que conversei durante este tempo, há uma coisa sobre a qual devemos concordar. Passem os dias tão rápido quanto séculos ou uma revoada de pombos, serão sempre apenas uma passagem. O destino é certo e terá um único final. Independente de quanto tempo me custasse atravessar aquele fatídico corredor gelado, trajando aquele avental verde puído, eu sabia que, cedo ou tarde,, chegaria ao mesmo lugar: o ponto de travessia desta vida para a continuação em outro mundo, outro plano...
Minha esposa sempre me disse que para ela a vida é como um grande trem, e alguém me perguntou como é chegar aqui, ou pelo menos tão perto...
Sinceramente?
É parecido como chegar a uma estação de trens. E o que encontrei lá?
É parecido como chegar a uma estação de trens. E o que encontrei lá?
Uma estação de trens vazia. Curioso também é o fato de descobrir que você chegou só, por sua conta e risco. Afinal caminhou por suas próprias pernas, guiou-se por suas intuições e decisões. Ninguém o obrigou a chegar onde chegou. A estação de trens – cujos trilhos vêm de todos os lugares - está vazia por que ela é só sua e você seu único passageiro. Ali chegam as linhas de todas as suas decisões, e dali partem os trilhos do seu destino em outros níveis. Desespero? Se ele for sua bagagem de mão meu amigo, terá de levá-lo consigo, pois aqui não existem carregadores. O que você trouxe você leva. E não há como dar-se piedade aos desesperados, afinal eles trazem consigo aquilo que semearam ao longo da vida.
Quando eu soube que era o fim, o fim de mais um longo corredor de hospital, cheguei sozinho, sem meu cão, amor, baliza ou qualquer sinal – até pensei se existiria piedade para os desesperados... E naquilo que parecia ser o fim de minha vida, naquela estação de trens vazia eu vi, sentados nas pedras gastas, muitos dos sonhos que um dia foram minha luz.
Quando eu soube que era o fim, o fim de mais um longo corredor de hospital, cheguei sozinho, sem meu cão, amor, baliza ou qualquer sinal – até pensei se existiria piedade para os desesperados... E naquilo que parecia ser o fim de minha vida, naquela estação de trens vazia eu vi, sentados nas pedras gastas, muitos dos sonhos que um dia foram minha luz.
O interessante de sentir-se perto do arremate da vida é perceber que você acabou, por descuido, deixando uma grande lista de coisas inacabadas. Frases entrecortadas, projetos adiados, oportunidades perdidas, barcos mal ancorados.
Descobri, enquanto perambulava por aquela estação, que quando o apito do trem anunciar sua partida, ninguém aparecerá para lhe dar uma dica, carregar sua mala ou oferecer consolo... Poucos irão mantê-lo aceso no coração. A maioria irá apagá-lo. Por isso tenha cuidado com tudo aquilo que lhe for caro, mantenha bem acesas as luzes dos lampiões de seus sonhos e jamais se afaste de seu caminho, pois um dia isso fará toda a diferença.
Simplesmente segui os passos de minha jornada, um a um... Acatei o destino sem medo ou culpa, e acabei voltando pela mesma porta, pronto para continuar minha caminhada para um dia, quem sabe, alcançar e assumir definitivamente meu papel de “aquele que se foi” para encontrar o outro que “nunca veio”.
Eu vivi minha vida para tracionar com força o recurvo arco de minha alma, concentrar-me em pensamentos serenos e atingir certeiro o alvo de minha caminhada por este mundo.
Abraços fortes e cordiais!
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Esta palavras, só poderiam ser escrita por alguém que tenha uma sensibilidade apurada, uma alma evoluída. Que soube enfrentar os desafios da vida com sabedoria e aceitar o que nos acontece, são para nos provar, testar nossas forças e que possamos evoluir. São pessoas como Márcio que passam pela terra e trás muitos ensinamentos. Confesso que convivi com ele apenas 9 semestres na faculdade de Odontologia da PUC-PR. E acompanhei de longe sabendo poucas e superficiais notícias sobre sua saúde. Mas o pouco que eu vi e percebi, me mostram o cara superior que ele era. Valeu amigo você já me ensinou mais uma lição na minha vida.
ResponderExcluirFique na luz
Abraços fraternos
Gustavo